A (IN)COMPATIBILIDADE DA
ESTABILIDADE GESTACIONAL COM O PEDIDO DE RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE
TRABALHO FUNDADO EM SITUAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL
Por Diogo Leandro de Sousa Reis
Advogado
Orientador de Núcleo de Prática Jurídica
Mestrando em Direito pela
Universidade Católica de Brasília.
O
assédio moral é uma realidade das relações de trabalho. Empregadores que
cultuam tal prática tem recebido a devida represália pelo Poder Judiciário
quando provada a prática de tal conduta contra os seus empregados, com a
fixação de justas indenizações, inclusive, havendo a adoção de medidas
judiciais coletivas por parte do Ministério Público do Trabalho quando se
constata que tal situação faz parte da cultura da empresa e afeta uma massa de
empregados, como o famoso caso da AMBEV.
Empregados
que são detentores de estabilidade não estão livres do assédio moral praticado
por seus empregadores. Na verdade, a necessidade de proteção desses trabalhadores
deriva exatamente da sua vulnerabilidade por estar em alguma condição que
provoque desvantagem ao empregador como, por exemplo, o cipeiro, dirigente
sindical e, principalmente, a empregada gestante que, em algumas atividades,
não possui a mesma capacidade de produção que os demais empregados.
Os
motivos para detenção de cada estabilidade são diferentes, sendo certo que a
ideia de se assegurar a empregada gestante garantia provisória no emprego é
combater a discriminação que possa sofrer em razão do seu estado gravídico.
A questão é quando a empregada gestante é alvo
de assédio moral e objetiva a declaração da rescisão indireta do contrato de
trabalho pelo cometimento de faltas graves previstas no art. 483 da CLT, revelando-se
insustentável a manutenção do vínculo empregatício. Pergunta-se: o pedido de
rescisão indireta é incompatível com a estabilidade gestacional?
O
art. 483, alínea “e” da CLT prevê o cabimento de rescisão indireta do contrato
de trabalho na hipótese do empregador praticar contra o empregado ato lesivo da
honra ou da boa fama. No mesmo dispositivo, a alínea “d” prevê a hipótese de
rescisão indireta pelo descumprimento de obrigações contratuais, a exemplo do desprezo
do empregador de atestados médicos apresentados pela empregada, mesmo com o
direito assegurado a consultas médicas no período da gestação.
O
legislador, ciente da gravidade das condutas faltosas que podem ser praticadas
pelo empregador contra o empregado, previu expressamente no texto celetário, à
luz do princípio da proteção, a
impossibilidade de manutenção do vínculo no caso de rescisão indireta,
excetuando apenas os casos de descumprimento de obrigações contratuais (alínea
“d”) e de redução de trabalho (alínea “g”), implicando os demais casos (assédio
moral/sexual, agressão física, exploração, rigor excessivo, risco de vida ou
acidente), necessariamente, o afastamento do empregado do trabalho, possuindo esta
medida estreita ligação com o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana. Senão vejamos:
§ 3º - Nas hipóteses
das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a
rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas
indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Assim,
não há dúvidas de que ingressando a empregada com pedido de rescisão indireta
do contrato de trabalho em virtude de assédio moral praticado por seu
empregador, imperioso o seu afastamento do contrato de trabalho, por se tratar
de questão relacionada a sua saúde e integridade física.
Mas,
e quando a empregada se encontra gestante? Pode se afastar do vínculo para
pleitear a rescisão indireta por motivo de assédio?
A
estabilidade gestacional está prevista no art. 10, inciso II alínea “b” do
ADCT, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante,
desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Segundo
o Ministro do STF Celso de Melo (AI 448572 SP), tal garantia advém da
necessidade de dispensar efetiva
proteção à maternidade e ao nascituro, em observância ao Artigo VI da
Convenção da OIT 103/52.
Tudo
bem que a preocupação do legislador foi a de evitar que a gestante sofresse
discriminação, evitando o desemprego numa fase em que a percepção de salários é
extremamente necessária.[1]
Todavia,
o fato da empregada ser detentora de estabilidade provisória não pode torna-la
refém do contrato de trabalho, a ponto de se ver obrigada a aceitar condições
ou situações abusivas praticadas pelo empregador, ainda mais quando estas se
revelem prejudiciais a sua gestação.
A
respeito disso, a própria CLT possui disposições que obrigam o empregador a
tomar medidas que visem à proteção da maternidade como, por exemplo, a garantia
da empregada, durante a gravidez, à transferência de função, quando as condições
de saúde o exigirem e a dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário
para a realização de consultas médicas e demais exames complementares.
No
caso da empregada gestante que é dispensada de forma arbitrária ou sem justa
causa, quando não há condições de permanecer no contrato de trabalho é por demais óbvio que descabe a
obrigatoriedade de reintegrá-la, em razão da proteção a saúde da
gestação que pode ser comprometida pela animosidade, perseguição ou situação de
risco existente.
Nessa
esteira, o Tribunal Superior do Trabalho, em sua iterativa jurisprudência, foi
além da lógica de que somente quando há animosidade que o empregador estará
obrigado a indenizar o período estabilitário, de modo que, a posição atual do
TST é no sentido de que a negativa da
obreira pela reintegração ao serviço não implica em renúncia ao direito
estabilitário, pois a estabilidade gestacional visa assegurar os
direitos do nascituro. Vejamos:
RECURSO DE REVISTA.
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO.
INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. A garantia constitucional que veda a dispensa
arbitrária da empregada gestante do momento da concepção até cinco meses após o
parto (art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), tem como escopo não apenas a proteção
objetiva da maternidade, mas, principalmente, a do nascituro. Assim, a
ausência de pedido de reintegração não afasta o direito da empregada gestante
ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade provisória, tendo em
vista a natureza e a finalidade dessa garantia. Precedentes. Recurso de revista
conhecido e provido." (Processo: RR - 612-92.2011.5.04.0202, Relator
Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT 13/03/2015.)
I - AGRAVO DE
INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI
13.015/2014. ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. A indicação do trecho da decisão
regional que consubstancia o prequestionamento da matéria objeto do recurso é
encargo da recorrente, exigência formal intransponível ao conhecimento do
recurso de revista. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega
provimento. II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA
LEI Nº 13.015/2014. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE
PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO . A decisão do Tribunal Regional está em dissonância com
o entendimento desta Corte Superior, no sentido de que a ausência do pedido de regresso ao emprego ou a recusa da oferta
de retorno ao emprego não obsta a concessão de indenização à gestante
dispensada arbitrariamente no período da estabilidade gravídica.
Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido . (TST - ARR:
9079720135040772, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento:
14/12/2015, 5ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 18/12/2015)
RECURSO DE
REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO.
INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. De acordo com a Súmula nº 244 do TST, o fato gerador
do direito à estabilidade provisória da empregada gestante surge com a
concepção na vigência do contrato de trabalho e se projeta até 5 meses após o
parto (arts. 7º, VIII, da Constituição Federal e 10, II, b, das Disposições
Constitucionais Transitórias). Assim, a
ausência de pedido de reintegração não afasta o direito da empregada gestante
ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade provisória,
tendo em vista a natureza e a finalidade dessa garantia. Precedentes. Recurso
de revista conhecido e provido. (TST - RR: 107268520125180131, Relator: Walmir
Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 21/10/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT
23/10/2015)
Noutras
palavras, o direito da empregada gestante não se restringe a permanência no
emprego, mas de receber os salários
referentes ao período estabilitário, podendo, se assim for viável (e do
interesse das partes), haver a reintegração ao serviço, se beneficiando o
empregador da mão-de-obra, sendo esta a inteligência da Orientação
Jurisprudencial n. 399 da SDI- I do TST e da Súmula 244, inciso III do TST.
Vejamos:
OJ 399. ESTABILIDADE
PROVISÓRIA. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO
EMPREGO. ABUSO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. O
ajuizamento de ação trabalhista após decorrido
o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de
ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art.
7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a
indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário.
SÚMULA Nº 244 DO TST. GESTANTE.
ESTABILIDADE PROVISÓRIA
[...]
II - A garantia de emprego à gestante só
autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do
contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes
ao período de estabilidade.
Daí
que não há que se falar que o direito da empregada detentora de estabilidade
gestacional está restrito ao pedido de reintegração ou condicionado a este,
ainda mais quando há clara animosidade entre as partes, como nos presentes
autos, já que o motivo da empregada não permanecer no contrato é o assédio
moral que lhe foi praticado.
Assim,
verifica-se plenamente possível o pleito de indenização do período
estabilitário, posto que nem sempre é possível (ou viável) o retorno do
empregado ao trabalho, ainda mais em se tratando de rescisão indireta por
motivo de assédio moral, como na situação em testilha.
Finalmente,
se é possível a empregada gestante pleitear a indenização do período estabilitário,
ainda que não requeira o pedido de reintegração ao serviço quando dispensada
arbitrária ou imotivadamente, poderá a empregada pleitear a rescisão indireta
do contrato de trabalho sendo detentora de estabilidade? Ou seja, se não há
restrição para pleitear a indenização após o término da estabilidade, por que
não seria possível pedir indenização quando a manutenção do vínculo
empregatício se mostre insustentável? Apenas por que não houve a dispensa
arbitrária ou sem justa causa?
Conforme
demonstrado acima, o direito a estabilidade gestacional não está restrito à
reintegração ao serviço, sendo plenamente possível o pedido de indenização,
ainda que passado o período estabilitário, conforme OJ 399 da SDI-I do TST.
A
rescisão indireta do contrato de trabalho, assim considerada como a justa causa
aplicada pelo empregado ao empregador, produz os mesmos efeitos que uma
dispensa arbitrária ou imotivada.
Se
a finalidade da estabilidade gestacional é assegurar os direitos do nascituro e
da gestante, não há porque considera-la incompatível com a rescisão indireta,
pois, do contrário, a empregada estaria obrigada a renunciar o direito à
estabilidade para deixar o contrato de trabalho em razão de faltas praticadas
pelo empregador. Ou pior, seria obrigada a suportar as faltas do empregador
para não perder os salários decorrentes do período estabilitário.
Ademais,
o fato de estar grávida não pode implicar restrição ao seu direito de pleitear
a rescisão indireta do seu contrato de trabalho, ainda mais em se tratando de
situação de assédio moral, sob pena de violação do disposto no parágrafo único
do art. 391 da CLT. Senão vejamos:
Parágrafo único - Não
serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou
individuais de trabalho, restrições
ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez.
De outra
banda, cabe analisar o seguinte: se o empregador pode dispensar o empregado
estável (inclusive a gestante) que pratica falta grave nos termos do art. 482
da CLT, por que o empregado não pode aplicar justa causa ao empregador que
pratica as faltas do art. 483 da CLT (rescisão indireta), ainda mais em
situações que geram risco a sua gestação?
Nessa
senda, vale trazer a baila o posicionamento da jurisprudência dos tribunais a
respeito da compatibilidade da estabilidade gestacional com o pleito de
rescisão indireta, senão vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.
PEDIDOS DE RESCISÃO INDIRETA E DE INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO DE ESTABILIDADE
ACIDENTÁRIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. AFASTAMENTO DA INÉPCIA. Demonstrado no
agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art.
896 da CLT, quanto ao tema relativo à inépcia da inicial, ante a constatação
violação, em tese, do art. 5º, XXXV, da CF. Agravo de instrumento provido.
RECURSO DE REVISTA. 1) PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. Ante o conhecimento e provimento do recurso de revista do
Reclamante, é aplicável, à hipótese, os arts. 794 da CLT e 249, § 2º, do CPC,
rejeitando-se, portanto, a preliminar. 2) PEDIDOS DE RESCISÃO INDIRETA E DE
INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO DE ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO. AFASTAMENTO DA INÉPCIA . No
Processo do Trabalho é apta a inicial que contém os requisitos do art. 840 da
CLT, não se aplicando, neste ramo especializado, o rigor da lei processual
civil (art. 282 do CPC), pois é a própria CLT quem disciplina a matéria,
norteando-se pela simplicidade. Na hipótese, verifica-se que os pedidos
formulados pela Reclamante não são incompatíveis entre si (rescisão indireta e
indenização pelo período estabilitário). A Reclamante não pretende a reintegração,
o que poderia, de fato, ser incompatível com o pedido de rescisão indireta. A
Autora pede o reconhecimento da estabilidade provisória em decorrência da
comprovação de doença adquirida no curso do contrato e consequente indenização
pelo período estabilitário, asseverando, expressamente que não pretende a
reintegração ante o grau de incompatibilidade para o seu retorno. Portanto,
deve ser afastada a inépcia decretada . Recurso de revista conhecido e provido,
no aspecto. RECURSO DE REVISTA. Em face do retorno dos autos do
processo que corre junto a este (AIRR-189540-29.2004.5.17.0002) ao Regional de
origem, resta prejudicada a análise deste recurso e revista . (TST - 6ª Turma,
RR: 1895004720045170002 189500-47.2004.5.17.0002, Relator: Mauricio Godinho Delgado,
Data de Julgamento: 14/09/2011, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011)
ESTABILIDADE DA EMPREGADA GESTANTE. CUMULAÇÃO
COM RESCISÃO INDIRETA. POSSIBILIDADE. RENÚNCIA À GARANTIA DE EMPREGO NÃO
CONFIGURADA. Não se cogita de
renúncia à estabilidade prevista no art. 10, II, b, do ADCT pelo ajuizamento de
ação postulando a rescisão indireta do contrato de trabalho. A
estabilidade gestacional tutela a vida do nascituro e busca impedir que a
gravidez constitua causa de discriminação à obreira, prestigiando o princípio
da continuidade do contrato de trabalho. Assim, como estabilidade gestacional
não corresponde apenas um direito da trabalhadora gestante, a trabalhadora não
pode renunciar à garantia de emprego. Importa frisar que o vínculo de emprego
não é mantido em virtude da falta grave por parte da empresa, não podendo a
trabalhadora sofrer qualquer tipo de prejuízo em decorrência desse fato.
Portanto, os pedidos relativos à rescisão indireta e à estabilidade no emprego
são plenamente cumuláveis. Precedentes do TST.
(TRT-1 - RO: 00107311320145010034 RJ,
Relator: RELATOR, Data de Julgamento: 08/03/2016, Quinta Turma, Data de Publicação: 16/03/2016)
Por
fim cabe destacar que apenas se formulado cumuladamente pedido de reintegração
e de rescisão indireta é que haverá incompatibilidade dos pedidos, pois não
pode o empregado requerer verbas rescisórias e ao mesmo tempo retornar ao
trabalho.
Por
tudo que foi dito, não remanesce dúvidas de que a empregada detentora de
estabilidade gestacional pode pleitear a rescisão indireta do contrato de
trabalho, fazendo jus a todos os direitos do período estabilitário, devendo o
empregador pagar todos os direitos trabalhistas devidos até o encerramento da
estabilidade.
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